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É preciso valorizar o "ver distinto", diz professor argentino

Em 04/08/17 02:03.

Ensino de Astronomia deve lidar com diferentes explicações sobre o universo, diz pesquisador argentino

Texto: Patrícia da Veiga

Fotos: Carlos Siqueira

Desde os primórdios da humanidade nos deparamos com a grandiosidade do universo e as consequentes tentativas de explicá-lo. Em diversas culturas e diferentes tempos há entendimentos a respeito dos corpos celestes, suas formações e seus movimentos. Partindo da premissa de que falar sobre Astronomia não envolve somente postulados científicos, mas também filtros sociais, crenças, valores, normas e outros saberes, Néstor Camino, professor e pesquisador da Universidade Nacional da Patagônia São João Bosco (UNPSJB), ministrou palestra nesta quinta-feira (3/8) sobre "o ensino de Astronomia na formação de visões de mundo". Ele foi um dos convidados do X Encontro da Associação de Planetários da América do Sul (APAS), que acontece até sábado no Planetário da UFG.

O pesquisador teve como objetivo principal esmiuçar o conceito de "visão de mundo" e articular as possibilidades de seu uso no ensino de Astronomia. Para tanto, ele defendeu a ideia de que é preciso valorizar "el ver distinto", que traduzimos livremente como as diferentes formas de enxergar um mesmo tema ou objeto. Ao longo de toda a apresentação, Camino exibiu imagens diferentes de objetos semelhantes, indagando à plateia acerca do que se poderia perceber. “O que vemos nestas imagens? E como podem ser tão distintas? Quando falamos de percepção, não falamos só de detecção. Detectamos com os olhos, mas percebemos com os filtros sociais, com as memórias, os afetos e os acúmulos de cada um”, explicou. Com isso, ele mostrou que um Sol para os Incas não seria o mesmo que um Sol para a Ciência Moderna. E que uma versão dos povos ameríndios para uma poeira provocada por vulcões tampouco seria a mesma que uma possível versão europeia e acadêmica.

Para o professor, relativizar é preciso e ensinar Astronomia no século XXI pressupõe considerar tanto a produção científica como as especificidades de diversas culturas, sem hierarquizar o conhecimento. Isso porque cada sujeito que busca aprender sobre o céu o está fazendo a partir de sua perspectiva e certamente trará alguma formação prévia para o espaço do aprendizado. “A visão de mundo de cada pessoa é uma estrutura epistemológica, é uma estrutura de construção de conhecimento, que forma a base de sua visão sobre a realidade. Realidade que envolve tanto o natural quanto o social. Todos temos essa estrutura”, definiu.

Conforme Camino, não é possível apresentar aos estudantes somente um ou “o” universo. Primeiro, porque se pretende considerar a singularidade de cada sujeito e, portanto, cada “ver” será “distinto”. Segundo, porque uma única versão sobre o céu não trará estranhamentos e confrontos, logo, não produzirá dúvidas e uma “aprendizagem significativa”. Terceiro, porque ao longo da história vários entendimentos já foram refutados e tudo no futuro pode mudar. “Sou deste mundo, neste momento e nesta região. Devo formar para que as coisas sejam diferentes e não dizendo que este é o universo. A história me mostra que não, que nem sempre o universo foi da forma como é concebido pela ciência contemporânea. Muitos astrônomos e muitos cientistas viram coisas diferentes do que era visto em suas épocas”, afirmou.

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Para o pesquisador argentino Néstor Camino, "Ver distinto" corresponde às varias formas de enxergar e compreender o mundo

Como proposta de trabalho, Camino sugeriu lidar com dois polos: a “manutenção” e a “perturbação” das visões de mundo que porventura se apresentem. Isso, para o professor, é um esforço de “educar para a mudança” e poderia produzir novidades para a própria ciência. “Nossa ação como educadores de Astronomia, seja em sala de aula ou em planetários, é compartilhar e gerar elementos para incorporar as visões de mundo das pessoas gradualmente, respeitando seu tempo de aprendizagem e as diferentes culturas, sabendo que não há uma única maneira de interpretar o universo”, concluiu.

Néstor Camino é físico e doutor em Educação pela Universidade Nacional de La Plata (UNLP). Está vinculado ao Conselho Nacional de Investigações Científicas e Técnicas da Argentina (Conicet) e atua como diretor do Complejo Plaza del Cielo, localizado na cidade de Esquel, ao sul do país, conhecida como “a cidade dos relógios do Sol”.

Evento

A APAS conta hoje com cerca de 20 planetários institucionais e 15 planetários móveis associados, além de 200 sócios individuais oriundos de Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Paraguai, Peru, Venezuela e Uruguai. A cada dois anos esse grupo se reúne com os objetivos de promover a integração entre os planetários da região e realizar debates que contribuam para o seu fortalecimento.

A programação do X Encontro da APAS, realizado pela primeira vez em Goiânia, vai até este sábado (5/8) e conta com uma oficina sobre música em planetários, debates sobre gestão, financiamento e cultura, além de visitas técnicas aos planetários de Anápolis e Brasília. Quem quiser saber mais, pode conferir detalhes neste link.

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X Encontro da Associação de Planetários da América do Sul conta com a participação de pesquisadores de vários países do continente

Fonte: Ascom/UFG

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