Socioeducativo e Rebelião

Evento discute tragédia na CIP e o sistema Socioeducativo

Em 31/08/18 16:34.

Debate discutiu problemas e soluções para que a tragédia de 25 de maio não ocorra novamente

Texto: Kharen Stecca

Fotos: Jean Pierre Pierote

Um texto de solidariedade às famílias dos meninos mortos em incêndio na Casa de Internação Provisória (CIP) em 25 de maio de 2018 abriu o evento Socioeducativo e rebelião: do luto à luta, promovido pelo Núcleo de Estudos sobre Criminalidade e Violência e pelo Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em Direitos Humanos, ambos da UFG. “A universidade tem a obrigação ética e política de discutir esse acontecimento”, foi um dos trechos lidos no evento. A tragédia do CIP, levanta questionamentos sobre como se estrutura o sistema socioeducativo de crianças e adolescentes em Goiás e também no país e o que é possível fazer para que tragédias como essa não voltem a se repetir.

Socioeducativo e Rebelião
Luciana Pereira Lopes trouxe depoimento sobre a realidade na Casa de Internação Provisória

O primeiro de dois debates realizados no evento trouxe para a mesa a mãe de um dos adolescentes mortos no incêndio, Luciana Pereira Lopes, o juiz de direito estadual, Vítor França, o coordenador do Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude do Ministério Público de Goiás, Publius Lentulus da Rocha, o Defensor público Tiago Gregório Fernandes e o integrante do Comitê Goiano de Direitos Humanos 'Dom Tomás Balduino' Pedro Wilson Guimarães.

Luciana Lopes começou o debate com seu depoimento: “Eu entreguei meu filho. Achava que lá ele seria ressocializado, mas não há nada de socioeducativo lá”, afirma. Ela destacou as condições precárias do local: “Quando se entra ali, seja a família ou o adolescente, a dignidade é retirada. Meu filho dormiu no banheiro, no chão, sofreu agressões”, lamentou. “Sei que errei na criação dele, não fui forte o suficiente. Mas para quem iríamos reclamar dos maus-tratos? Para a polícia? Para os servidores de lá? A verdade é que os adolescentes saem de lá piores do que entraram, não é sistema socioeducativo, é sociodestruitivo”, desabafa.

Socioeducativo e Rebelião
Debatedores ressaltam a necessidade de reformular o formato do sistema socioeducativo no país

O juiz Vitor França afirma que o sistema socioeducativo no formato que tem hoje está falido. “Ele não é nenhum pouco parecido com o que prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)”, afirmou. Segundo ele, o socioeducativo prevê a opção de regime aberto e fechado. No entanto, o regime aberto não existe em Goiânia: “O município seria o responsável pela criação desse regime, mas ele não existe. Tentamos implementar com apoio de algumas instituições e não conseguimos”. Por outro lado, segundo o juiz, só é colocado na internação casos graves: “O adolescente precisa roubar quatro a cinco carros para ir para a internação, que não é socioeducativa e, sim, verdadeiros cadeiões”. Ele também ressaltou a importância do regime aberto: Ele é a espinha dorsal do ECA, uma forma de estabelecer senso de responsabilidade para o adolescente que precisa existir”.

Ele também ressaltou a falta de atividades esportivas e pedagógicas. No entanto, não acha que fechar o CIP na atual estrutura é possível: “Se o CIP fechar, temos a questão da segurança pública para resolver”. Por outro lado ele defendeu que é preciso perceber que pode ter havido culpa dos servidores no fato ocorrido no incêndio, mas que também houve responsabilidade dos adolescentes e das instituições: “Nada justifica o que ocorreu, mas precisamos dividir responsabilidades, cada ente tem uma parcela de culpa nesse caso”. O professor Tarion Xavier Martins que mediou o debate levantou também a falta de dados sobre os adolescentes que foram encaminhados para o regime aberto. “Os arquivos organizados por pesquisadores da universidade foram perdidos pelo município”, afirma.

O defensor público Tiago Gregório Fernandes ressalta um outro ponto da questão: “Os adolescentes acreditam em sua impunidade quando o ECA anuncia que o adolescente será internado em uma instituição educacional”. Na opinião dele a reforma do estatuto chamando essa instituição educacional de prisão teria talvez mais efeito do que pensar em reduzir a maioridade penal. Para ele há fatores que angustiam o adolescente em medidas socioeducativas que podem ser sanadas. Uma delas é saber exatamente quando ele vai sair. “O tempo para uma criança e um adolescente passa de forma completamente diferente do que para um adulto. Quatro meses para ele é uma eternidade”, afirmou.

Outras questões colocadas por Tiago são a falta do Plano Individual de Atendimento que permitiria avaliar a evolução dos socioeducandos, a superlotação e a falta de atividades como banho de sol e atividades pedagógicas: “Tudo isso fomenta a angústia desses adolescentes”.

O coordenador do Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude do Ministério Público de Goiás, Publius Lentulus da Rocha, lembrou que existe um termo de ajuste de conduta (TAC) de 2012 que determinava entre outras coisas a desativação do CIP com criação de unidades regionalizadas e a criação do sistema aberto. “De lá para cá o pouco que foi feito se deve a esse TAC, mas não chega a 30% do que estava definido”, explicou. Para ele uma das principais mudanças precisa ser que punição para crianças e adolescentes tem de ser pedagógica.

Pedro Wilson também destacou a necessidade de defesa dos direitos da criança e do adolescente acreditamos em uma civilização de cultura e educação “do contrário teremos uma civilização de barbárie”, afirmou. Sobre a UFG ele destacou a necessidade de divulgar esse tipo de discussões para a sociedade: “a universidade é capaz de subsidiar e embasar opinões, por isso é de extrema relevância ampliar a divulgação dessas discussões”, ressaltou.

Fonte: Secom UFG

Categorias: Última Hora