Camilo Amaral

Professor premiado em evento internacional fala sobre pesquisas na UFG

Em 07/08/15 12:11.

Camilo Vladimir Lima Amaral, da Faculdade de Artes Visuais, recebeu reconhecimento de seu trabalho de doutorado realizado em Londres sobre arquitetura e habitação

Recentemente premiado na Conferência Internacional da European Network of Housing Research, realizada em Lisboa, o professor Camilo Vladimir Lima Amaral, da Faculdade de Artes Visuais (FAV) da UFG, concedeu entrevista para o Portal UFG sobre os projetos desenvolvidos no curso de Arquitetura e Urbanismo e a relação com sua pesquisa de doutorado, em andamento pela University of East London. O trabalho com o qual recebeu a prêmio Bengt Turner, que busca incentivar jovens pesquisadores a realizar estudos com conteúdos originais e criativos relacionados a questão habitacional e urbana, trata do processo de cercamento urbano na cidade de Londres, consequências de novas políticas habitacionais e de privatização dos espaços públicos urbanos da capital inglesa. Na entrevista, o professor comparou o processo com a organização habitacional no Brasil.

Camilo Vladimir Lima Amaral
Camilo Vladimir Lima Amaral recebeu prêmio de melhor artigo apresentado na conferência anual da European Network of Housing Research

Qual a sua avaliação da experiência como professor da UFG e, agora, como pesquisador da University of East London?

Na UFG, tive a oportunidade de participar de um grande número de iniciativas, com a criação do curso de Arquitetura e Urbanismo. Assim, pude me envolver com temas que foram da escala do design de objetos à escala da cidade, passando pela dimensão da arquitetura. A Faculdade de Artes Visuais tem uma cultura de pesquisa incrível, com muita liberdade e apoio à iniciativas inovadoras e, principalmente, um senso crítico muito afiado, algo próprio das artes, que articula sensibilidade social, engajamento político e a tentativa de compreender e fazer visível nossa condição humana, nossos limites existenciais. Na University of East London tenho encontrado um clima parecido. A universidade se orgulha e tem como meta se manter na liderança do ‘engajamento social’ na Inglaterra. As pesquisas têm sempre esse caráter que busca sistematização abstrata, mas é pragmático e integrado com a realidade social de pessoas concretas, da comunidade vizinha.

Como tem trabalhado a temática da arquitetura e habitação em projetos na UFG?

Coordenei na UFG projetos de pesquisa e extensão sobre mobilidade e planejamento. Na temática da mobilidade, estive à frente de projetos voltados principalmente para o transporte por bicicleta, pois envolve uma transformação no entendimento da cidade. Essas pesquisas também estavam associadas ao desenvolvimento de propostas para o Plano Diretor de Goiânia, a partir de debates articulados com técnicos de diversas prefeituras da região metropolitana, políticos e a comunidade. Outras pesquisas colaboraram, junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), para criar o conjunto de informações necessárias para o processo de preservação do patrimônio edificado da cidade. Também tenho me dedicado ao estudo do planejamento urbano, buscando compreender as metodologias e as possibilidades de novas formas de articulação entre projeto e sociedade.
Por outro lado, me interessa muito o tema de habitação social, em que a arquitetura se encontra diretamente com as demandas de democratização da cidade. Aliás, mobilidade e habitação tem a ver com ‘direito à cidade’ e com ‘reforma urbana’. Junto com as Escolas de Engenharia da UFG e o professor Getúlio Antero, desenvolvemos projetos sustentáveis de habitações populares e tive o privilégio de trabalhar com o professor Bráulio Romeiro em uma disciplina que pesquisava soluções contemporâneas para a questão habitacional. Um dos projetos de nossos alunos foi premiado na Bienal de Arquitetura de São Paulo neste ano.

A partir do que tem pesquisado no doutorado, como poderíamos avaliar as políticas urbanas do Brasil em relação às londrinas?

Nessa questão, surpreende perceber que, ao contrário do que sempre se imagina sobre o Brasil, tido como um país atrasado, na verdade nossa legislação é muito bem estruturada para defender os interesses públicos. Diferentemente, por exemplo, da Inglaterra, onde os espaços da cidade não são efetivamente públicos. Recentemente os espaços têm sido privatizados por uma série de manobras. Esse processo está ligado a um outro, que é o de expropriação do direito de propriedade das classes mais baixas. Pessoas que eram donas de imóveis e viviam em certos bairros por décadas estão sendo simplesmente expulsas. Isso tem sido amplamente contestado e debatido, mas os interesses econômicos são enormes. O Rio de Janeiro, que vai receber as Olimpíadas, e outras cidades que sediaram a Copa do Mundo de Futebol viram episódios semelhantes com a demolição e expulsão de moradias para dar lugar a instalações luxuosas. Porém, em Londres esse efeito é visto por toda cidade.

O que fica claro é que a questão urbana é uma questão política. Por um lado, o mercado imobiliário mobiliza o aparato do estado de forma a garantir mais lucros para os grandes investidores e a sociedade precisa se mobilizar para garantir que a cidade promova uma sociedade mais justa, com direitos iguais e oportunidade para todos. Por outro lado, o campo da arquitetura e os arquitetos têm se posicionado do lado da aristocracia.

É possível observar esse mesmo processo de "cercamento urbano" no cenário da capital goiana?

O caso de Goiânia é bem particular. Por um  lado, na década de 1990 e o início do milênio houve uma grande proliferação de condomínios fechados e a cidade só cresceu assim. O que é, talvez, um processo muito mais segregador, mas que pelo menos não interfere na cidade original. Recentemente, houve uma grande mobilização da estrutura burocrática da cidade no processo de verticalização das áreas próximas a parques, onde a contrapartida das construtoras eram canalizadas no embelezamentos dos próprios parques, que por sua vez valorizavam as próprias construções. O Plano Diretor, que propunha uma cidade compacta, adensada nos corredores de transporte coletivo, não viu nenhuma contrapartida do mercado imobiliário nesses corredores preferenciais e a cidade continua presa ao transporte individual. Mas, a legislação no Brasil garante limites ao que pode ser interferido no espaço público e, apesar da ingerência do Estado, o controle da cidade ainda é fragmentariamente democrático. No entanto, esse processo de “cercamento” deve se intensificar em várias formas diferentes. O importante é saber construir os instrumentos necessários para defender uma cidade que produza efetivamente o interesse público.


Tendo em vista os resultados prévios obtidos em sua pesquisa e outros trabalhos, é possível desenvolver alternativas socioambientais no campo da arquitetura para a questão habitacional tanto no caso londrino como em cidades brasileiras, como Goiânia?

Acho que é possível sim, mas as resistências são muitas. A crise econômica na Europa foi muito profunda e, por isso, surgiram tendências que revelaram tanto as facetas pervertidas quanto experiências arquitetônicas outsiders, intrusas, profanas ao status quo. O artigo que escrevi tratava de alguns aspectos dessa perversão e apresentei outros aspectos em algumas conferências. Minha pesquisa na verdade começa daí, do que está sendo feito nas margens do próprio sistema. Os resultados preliminares são a tentativa de compreender como essas novas experiências estão pondo em cheque o que normalmente se concebe como arquitetura. Trata-se de outra coisa, que talvez nem seja arquitetura mais. A arquitetura não é uma coisa dada, não tem uma essência imutável. Existem muitas pesquisas e reflexões teóricas sendo produzidas sobre esse desgaste da arquitetura como se conhece, mesmo que isso ainda gere muita indigestão.

Fonte: Ascom UFG

Categorias: entrevista Última hora