Enfrentamento de violências contra crianças é tema de debate no HC

Texto: Thalízia Ferreira

Em defesa das crianças e adolescentes vítimas de maus-tratos e de violências físicas e psicológicas, o Hospital das Clínicas da UFG, vinculado à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), promove, em parceria com o Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFG, o Núcleo de Vigilância às Violências e Promoção da Saúde da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Goiânia e a Rede “Não Bata, Eduque”, de 25 a 28 de junho, a Semana de Enfrentamento das Violências Físicas e Psicológicas contra Crianças e Adolescentes.

O evento faz alusão ao Dia Nacional pela Educação sem Violência, comemorado em 26/06, instituído pela Lei 13.010, de junho de 2014, conhecida como Lei Menino Bernardo. Em Goiás, também no dia 26/06, é comemorado o Dia Estadual de Enfrentamento das Violências Físicas e Psicológicas contra Crianças e Adolescentes, instituído pela Lei Estadual 20.325, de 07/11/2018, cujo Projeto de Lei foi de iniciativa da deputada estadual Delegada Adriana Accorsi (PT).

A abertura do evento foi realizada na manhã de terça-feira, 25/06, no hall de entrada do HC-UFG. A professora e chefe do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFG, Lusmaia Damasceno Costa falou sobre a importância da realização dessa campanha. “Essa Semana traz um dado significativo para os indicadores de saúde pública: a violência traz um dano à sociedade, como também um dano emocional muito grave às suas vítimas, como a baixa autoestima, a insegurança e até a agressividade. Isso faz com que a criança tenha um baixo desempenho psicológico, comprometendo a sua função cognitiva, além de reduzir a sua capacidade produtiva”, destacou.

Chefe da Unidade de Atenção à Saúde da Criança e do Adolescente do HC-UFG/Ebserh, Johnathan Santana de Freitas afirmou que, embora a Lei 13.010, de junho de 2014, conhecida como Lei Menino Bernardo, proíba o uso de castigos físicos e tratamentos cruéis e degradantes contra crianças e adolescentes, ainda se faz necessária a realização de eventos como esse. “Os danos psicológicos são imensos e, em muitos casos, os danos físicos também. A força de um adulto castigando uma criança pode ser fatal. Constantemente vemos na imprensa casos revoltantes de maus-tratos, em que crianças são espancadas e aparecem com lesões, como fraturas, hematomas, hemorragias, além dos castigos desumanos, que são verdadeiros atos de tortura”.

Segundo Johnathan Freitas, a explicação para a cultura da violência está no fato de que muitos pais se sentem proprietários de seus filhos, e não seus cuidadores. “Essa é uma cultura antiga, proveniente de um tempo em que não se discutia o papel da educação no lar. E, pela falta de domínio de outras técnicas, usava-se a força para obrigar a criança a seguir ordens e puni-la quando ela não se comportava como era esperado”, afirma.

Johnathan Freitas ressalva que, embora exista uma preocupação dos profissionais de saúde que atendem as crianças vítimas de violência, muitas vezes não é possível evitar que elas sofram violência. “Muitas vezes, somos obrigados a acionar o Conselho Tutelar, a Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente e o Juizado da Infância e Juventude, mas, nenhum destes profissionais, sozinhos, consegue evitar abusos ou proteger uma criança que já está sofrendo abusos. É preciso agir preventivamente, de modo educativo. A relação pais-filhos precisa ser repensada, precisa ser discutida, precisa ser uma preocupação nacional”.

A diretora da Vigilância Epidemiológica da Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia, Grécia Pessano, destacou a importância da parceria da Universidade com a SMS na formação dos profissionais que cuidam da atenção à saúde da criança. “Hoje, estes profissionais não têm que avaliar somente as questões de saúde física dessas crianças, mas também as questões de saúde mental. Os médicos e enfermeiros devem, já nas primeiras consultas da criança, desde os seus primeiros dias de vida, orientarem os pais sobre a educação da criança”.

A psicóloga do Núcleo de Vigilâncias às Violências e Promoção da Saúde da SMS de Goiânia, integrante da Rede “Não Bata, Eduque” e administradora do Blog “Educar sem Violência”, Maria Aparecida Alves, afirmou que Goiânia e Goiás estão à frente de outros estados brasileiros no enfrentamento dessa questão, pois em 2018 foi criado o Dia Estadual de Enfrentamento das Violências Físicas e Psicológicas contra Crianças e Adolescentes, instituído pela Lei Estadual 20.325, de 07/11/2018.

Segundo Aparecida Alves, esse é o tipo de violência que não é fácil de enfrentar, pois ela é a mais naturalizada. “As mulheres e as crianças que sofrem violências físicas sofrem duplamente: primeiro por viverem essa realidade e, segundo, por carregarem sozinhas essa dor, pois as pessoas não levam tão à sério esse tipo de violência como os de violência sexual”. Por essa razão, ela alerta os profissionais envolvidos com o enfrentamento das violências. “O grau de dependência dessas crianças é muito grande, portanto somos nós que temos que escutar, olhar e tomar medidas reais para protegê-las.

A gerente de Atenção à Saúde do HC-UFG/Ebserh, Maria Conceição de Castro Antonelli, que representou o superintendente do HC-UFG/Ebserh, José Garcia Neto, cobrou das autoridades públicas, como o Ministério Púbico e o Governo do Estado, que tracem linhas para rever a sua atuação, para que ela seja anterior ao acontecimentos desses casos. “Na esfera federal, iremos trabalhar com a Educação Continuada e a revisão oficial dos casos em que houve falha no país, pois um país que não cuida de suas crianças não pode ser chamado de país”.

A abertura do evento contou com a apresentação do grupo Marias à Flor das Palavras – Mulheres Leitoras, que recitou dois poemas - Guitarra, de Cecília Meireles; e Menino de São José, de Elisa Lucinda, entremeados por casos de violência contra crianças e adolescentes que repercutiram na imprensa, e do grupo Pronto Sorriso, formado por estudantes de diversos cursos da UFG, que encenaram a vivência “Quem educa marca o corpo do outro”, inspirada no título do livro de Fátima Freire Dowbor. A educadora parental e coaching de Pais, Andressa Silvestre, trabalhou com o público presente uma atividade de vivência.

Programação

A programação da Semana de Enfrentamento das Violências Físicas e Psicológicas contra Crianças e Adolescentes prevê uma série de atividades de mobilização e de discussão com pais e educadores sobre o assunto. A intenção dos organizadores é promover nessa data, nos setores de Pediatria do HC-UFG, na Faculdade de Medicina da UFG e nas unidades de saúde da Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia ações de sensibilização, palestras, debates e conversas com pais e/ou cuidadores, estudantes e profissionais de saúde para tratar do tema.

No dia 25/06, à tarde, foi realizada uma audiência pública na Câmara de Vereadores de Goiânia, de iniciativa da vereadora Cristina Lopes, onde os organizadores da Semana defenderam a criação do Dia Municipal de Enfrentamento das Violências contra Crianças e Adolescentes, também no dia 26/06, em consonância com os Dias Nacional e Estadual.

Na manhã desta quarta-feira, 26/06, residentes de Pediatria e estudantes de Medicina realizaram atividades de vivência com os pais e responsáveis pelas crianças que estavam em atendimento no Ambulatório de Pediatria e internadas na Clínica Pediátrica do HC-UFG/Ebserh. Na ocasião, os pais montaram um varal e um mural com as estratégias negativas e positivas para a educação das crianças e dos adolescentes.

Também, na manhã do dia 26/06, foi realizado, no Cais do setor Real Conquista, um Ato em memória ao menino Bruno Diogo Dias Ferreira, que faleceu em Goiânia, no setor Real Conquista, em novembro de 2017, com 02 anos e 08 meses, vítima de violência intrafamiliar pela mãe e o padrasto. Foi realizado o plantio dos Ipês-brancos e uma revoada de balões brancos na futura Praça da Criança.

Na tarde do dia 26/06 foi realizada, na Faculdade de Medicina da UFG, a discussão do caso do menino Bruno Diogo Dias Ferreira, por professores e estudantes de Medicina, com o objetivo de abordar as falhas encontradas no atendimento feito pelo Poder Público, como o Conselho Tutelar e o Ministério Público, e como os profissionais de saúde podem agir diante de situações que envolvam violências contra crianças.

Dados estatísticos

A Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia registrou, em 2018, um total de 2.247 notificações de violência. Do total destas, 657 notificações correspondem à violência contra crianças e adolescentes no município de Goiânia. A violência física é a mais notificada depois da negligência contra crianças menores de 10 anos e na faixa etária de 10 a 19 anos (adolescentes).

Entre os autores dessa violência, em 2018, predominam familiares (pai, mãe, madrasta, padrasto, irmão), correspondendo a 38,6% das notificações. Quando se analisam “outros vínculos”, a grande maioria (71%) são também de familiares não especificados nas categorias da ficha de notificação, como avós, bisavós, tios e primos, totalizando aproximadamente 43,6% de intrafamiliares, seguido de desconhecidos, com 28,2%.      

Aproximadamente a metade (48,8%) dessas violências ocorreu na residência em todas as faixas etárias, exceto de 15 a 19 anos, onde a via pública foi a mais registrada. O meio mais registrado dentre as notificações de violência física em menores de 20 anos foi a força corporal/espancamento (com 33,7%), seguido pela arma de fogo com 23,6%.