Estátua de Exu na Praça dos Orixás em Brasília-DF

Pesquisa investiga representações de Exu na Umbanda

Em 26/11/18 12:03.

Estudo mostra como surgiu associação entre a entidade e o diabo cristão

Texto: Gustavo Motta

Foto: Domínio público

Em 2012, a Lei 12.644 instituiu o Dia Nacional da Umbanda. A data escolhida, 15 de novembro, recorda uma das narrativas sobre a primeira manifestação dessa religião afro-brasileira, que teria ocorrido em um terreiro de Niterói (Rio de Janeiro), em 1908, a partir da incorporação do Caboclo das Sete Encruzilhadas no jovem Zélio Fernandino de Moraes.

Uma pesquisa da Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás (FH/UFG), destaca a construção dos sentidos que foram atribuídos à figura do Exu, um ser sobrenatural reverenciado por esse credo. O pesquisador Léo Carrer Nogueira escolheu fazer um “aprofundamento histórico, desde a representação da entidade no continente africano, até chegar ao Brasil e se desenvolver na Umbanda”.

Estátua de Exu na Praça dos Orixás em Brasília-DF (600x400)

Carrer: "pesquisas evidenciam a história de resistência e luta pela manutenção das tradições afro-brasileiras"

Interpretações

O pesquisador conta que foram encontradas cinco interpretações do Exu, para os umbandistas. “O primeiro campo discursivo é o que nega essa entidade como parte da Umbanda, e que o associa à magia negra”, aponta. O segundo entendimento sobre o Egum assume a imagem do diabo, como entidade que faz parte da Quimbanda, uma linha do credo afro-brasileiro.

“O terceiro discurso procura explicá-lo como um espírito em evolução, sob o ponto de vista do kardecismo”. Nesse sentido, Exu é compreendido com um ser ambíguo (capaz de ser bom ou mau), mas que abandona a maldade à medida que “evolui”. Um quarto grupo de pessoas defende o Exu, mediante a crença em um espírito neutro, direcionado ao objetivo de atender desejos.

Por fim, existe o discurso que o identifica como defensor dos terreiros e centros contra os “espíritos das trevas” - nesse sentido, ele é encarado como um ser exclusivamente bom. “O que pude identificar é que tais discursos estão fragmentados no pensamento dos umbandistas, podendo ser encontrados, e até fundidos na mesma fala”, conclui.

Ressignificações

A pesquisa teve por objetivo reconstruir o “caminho percorrido pela entidade” até a sua chegada no continente americano. Foi verificado que a demonização do Exu ocorreu ainda na África, sob a perspectiva de andantes cristãos que entraram em contato com os povos iorubás, entre os séculos 19 e 20. Esses nativos cultuam Exu como um Orixá, o que significa “divindade” na língua local.

O pesquisador descobriu, pelo acesso às obras de viajantes, que características controversas eram atribuídas à deidade, o que favoreceu sua identificação com o diabo. “Ele era considerado um protetor, mas também era retratado com um deus facilmente irritável, vingativo e que pregava peças nos outros Orixás”, pontua.

No Brasil, “essa figura começou a sofrer um processo de ressignificação, passando a assumir outras formas”. Entre essas novas facetas, ele passa a ser visto como Egum, ou seja, como a “alma de um espírito falecido”. Nesse sentido, passam a conviver o Exu-Orixá (cultuado pelo Candomblé) e o Exu-Egum (reverenciado pela Umbanda). Portanto, foi necessária a leitura de autores que pesquisaram as religiões afro-brasileiras no século passado.

O acadêmico destaca que o aspecto demoníaco do Orixá/Egum começa a mudar nos anos 1940, quando se passou a enxergar a visão negativa da entidade como uma construção cristã. No entanto, o pesquisador conta que “ao nos depararmos com as representações típicas do Exu-Egum, ainda encontramos imagens vermelhas, com chifres, tridentes, e outros elementos associados ao diabo”.

Preconceito

O pesquisador acredita que pesquisas dessa natureza contribuem para evidenciar a história de resistência e luta pela manutenção das tradições afro-brasileiras. Como umbandista, Léo Nogueira lembra que religião possui um “longo histórico de repressões, perseguições, e silenciamentos”. Nesse sentido, as religiões de matriz africana chegaram a ser enquadradas, no passado, como “charlatanismo”, “prática ilegal de medicina” e “feitiçaria”. Portanto, o acadêmico defende que os estudos sobre a Umbanda podem ajudar a desmistificar visões negativas e preconceitos sobre a manifestação de crença, e avalia que tal função é a tarefa essencial para quem se dedica a pesquisar sobre as religiões.

 

Sobre a pesquisa

Tese: Da África para o Brasil, de Orixá a Egum: as ressignificações de Exu no discurso umbandista

Pesquisador: Léo Carrer Nogueira

Orientador: Leandro Mendes Rocha

Tema: Ciências Humanas - História

Programa de Pós-Graduação em História

Faculdade de História - UFG

 

Fonte: Secom UFG

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