José Henrique

Estudante quilombola da UFG realiza intercâmbio no México

Em 31/08/18 11:25.

José Henrique Cavalcante, do curso de Relações Internacionais, foi contemplado por edital de ações afirmativas da Capes

Texto: Gustavo Motta

Fotos: Carlos Siqueira

O aluno do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Goiás (UFG), José Henrique Cavalcante Silva, foi selecionado para um intercâmbio no estado mexicano de Yucatán, a  ser realizado durante um prazo de 12 meses, entre setembro de 2018 e agosto do ano seguinte. O intercâmbio vai ocorrer por meio do Edital Abdias Nascimento, iniciativa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que atende, preferencialmente, a estudantes autodeclarados como pretos, pardos, indígenas, e pessoas com necessidades especiais.

“Um amigo, que estuda nas Ciências Sociais, me apresentou o Projeto Abdias Nascimento, pelo qual realizou um intercâmbio em 2017”, lembra o graduando. O estudante, que cursa o oitavo semestre da graduação, afirma que a oportunidade traz mais confiança em relação ao futuro acadêmico e profissional. “Paralelamente à alegria, surgem outros sentimentos, como ansiedade e preocupação. Por se tratar de uma viagem com duração de 12 meses, o peito também aperta pela saudade de casa, da minha família em Cavalcanti (interior goiano)”.

Intercambista

Graduando de Relações Internacionais, José Henrique parte para viagem ao México na tarde dessa sexta-feira (31)

Intercâmbio

O estudante embarca ao fim de tarde desta sexta-feira (31), tendo a cidade de Mérida como destino. Situada na porção sudeste do México, a localidade é o centro econômico e político do estado de Yucatán, com cerca de 800 mil habitantes. Durante a estadia de 12 meses, o jovem vai estudar no Centro de Investigación e Estudios Superiores en Antropología Social (CIESAS), instituição de referência em pesquisas sobre linguística, migração, meio-ambiente, política, e áreas afins. José Henrique conta que vai realizar um estudo comparado entre Brasil e México, relacionado à imigração haitiana em ambos os países.

Na busca pela combinação da Antropologia com as Relações Internacionais, o intercambista pretende “compreender e analisar as políticas migratórias, e a inserção dos haitianos no campo socio-laboral”. Ademais, sob uma perspectiva étnico-racial, o estudante pretende entender como questões ligadas à cultura e raça influenciam esses processos de inserção nas sociedades dos dois países latinoamericanos. “A imigração haitiana trouxe novos desafios e perspectivas aos estudos sobre migração. Sendo assim, Brasil e México figuram como peças importantes, ora como trechos na rota migratória, ora como destinos finais para essas pessoas”, destaca.

O aluno ressalta que tem grandes expectativas sobre a ida ao exterior. “Acredito que será uma experiência riquíssima em termos culturais, sociais e, especialmente, em termos acadêmicos - tenho buscado enxergar essa oportunidade como um trampolim para alçar novos vôos, cada vez mais altos”. José Henrique conta que tem pesquisado a vida cotidiana em Mérida, a exemplo das condições de alimentação e transporte na cidade estrangeira. O graduando espera obter uma rica experiência de aprimoramento profissional e acréscimo de conhecimentos à formação acadêmica.

José com os kalunga

José Henrique (direita) em visita à comunidade quilombola em Monte Alegre de Goiás, promovida pelo Projeto Kalunga Cidadão (2015)

Processo

O Professor Roberto Cunha Alves de Lima, Coordenador do Projeto Conjunto de Pesquisa em Educação Intercultural e Relações Raciais entre a UFG/Brasil  e o CIESAS/México, pontua a relevância do Edital Abdias Nascimento enquanto medida de ações afirmativas voltada à pesquisa no exterior. “O próprio nome do projeto homenageia a trajetória de um importante intelectual, cuja vida foi marcada pela luta contra o racismo e a discriminação”. Uma das mais importantes contribuições do poeta, dramaturgo e professor paulista foi a criação do Teatro Experimental do Negro, coletivo artístico que tinha, como um de seus objetivos, valorizar as heranças culturais brasileiras de origem africana.

Sendo assim, “a iniciativa visa a inclusão de estudantes negros, cotistas e periféricos, nos ambientes da academia”. No âmbito da Faculdade de Ciências Sociais (FCS/UFG), o professor conta que foi inscrito um projeto, aprovado em conformidade com normas da Capes. “Quando surgem oportunidades de bolsas, pedimos aos estudantes que encaminhem um currículo e nota do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). Sendo assim, fazemos chamadas para entrevistas, com fim de selecionar estudantes para o preenchimento de vagas em intercâmbio”.

O projeto é organizado juntamente com o professor Mariano Báez Landa (coordenador externo da iniciativa e pesquisador do CIESAS), e os Docentes da FCS/UFG, Professores Dijaci David de Oliveira, Geisa Cunha Franco e Rildo Bento de Souza. As atividades ocorrem no contexto do Projeto Sertão-Mesoamérica, que mantém parceria com o CIESAS desde 2017 e deve encaminhar, ainda nesse semestre, três estudantes para intercâmbios no exterior - sendo que um deles está no Doutorado. O Professor Roberto Lima avalia que as iniciativas de intercâmbio da Capes são “fundamentais para o aperfeiçoamento de quadros no Ensino Superior”.

Representatividade

O estudante acredita que a oportunidade de intercâmbio favorece a discussão sobre representatividade, no âmbito da inclusão e visibilidade de estudantes cotistas e oriundos de comunidades quilombolas no espaço da academia. Originário da comunidade Kalunga (assentada nas proximidades da Chapada dos Veadeiros e constituída por descendentes de negros fugitivos das antigas condições de escravidão) o graduando espera que a experiência tenha uma repercussão positiva. “Que sirva como exemplo de ocupação dos espaços e de novas perspectivas e sonhos, cada vez mais altos para estudantes negros”.

Ingresso na Instituição pelo Programa UFGInclui, José Henrique avalia que a iniciativa institucional representa um “exemplo de sucesso das políticas inclusivas da Universidade”. O estudante compartilha, com outros alunos e membros da comunidade acadêmica, o Espaço de Convivência da UFG, vinculado à Coordenadoria de Ações Afirmativas (Caaf) e à Coordenadoria de Inclusão e Permanência (CIP).

O Professor Roberto Lima destaca que, muitas vezes, os estudantes oriundos de grupos minorizados, tais como quilombolas, chegam desacreditados sobre o seu espaço na Universidade ou com baixa auto-estima, o que pode ser confirmado na experiência de José Henrique: “Sempre foi perceptível, para mim, que o ambiente acadêmico pode ser hostil. Demorou algum tempo para que me adaptasse ao novo local, marcadamente distante da realidade que vivenciei antes, no período escolar”. Felizmente, o auxílio da Coordenação de Inclusão e Permanência (CIP/CAAF/UFG) ao longo da caminhada estudantil, permitiu o acesso do jovem a serviços de apoio pedagógico e psicológico.

Caaf

Estudantes compartilham o Espaço de Convivência

Inclusão

O graduando acredita que “as políticas de inclusão da Universidade, ao longo dos anos, têm demonstrado avanços significativos, embora ainda exista muito caminho a percorrer, principalmente atrelando-se políticas de inclusão às políticas de permanência”. Contudo, além de fornecer amplo apoio aos discentes, o UFGInclui proporciona o compartilhamento de informações, no âmbito da Instituição, capazes de levantar questões pertinentes à comunidade universitária, e as direcionar à Reitoria e aos organismos institucionais competentes.

O Programa foi estabelecido por meio da Resolução 29/2008 do Conselho Universitário (CONSUNI/UFG), tendo, entre seus objetivos, a democratização do acesso à Universidade, por meio de políticas em ações afirmativas que contemplem o ingresso e permanência de estudantes oriundos de escolas públicas, indígenas e quilombolas; o acompanhamento da trajetória dos estudantes que ingressam pela medida; e a ampliação de políticas, tais como a disponibilização de Bolsas Permanência, e o atendimento em serviços de moradia estudantil, alimentação e saúde mental.

CAAF estudantes

José Henrique com a colega Itamara Crhystina Marques, estudante quilombola do curso de Odontologia, no espaço da CAAF/UFG

Fonte: Secom UFG

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