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Dicionário registra trajetória de educadores goianos

Em 12/12/17 17:19.

Coletânea reúne biografia de 104 personagens que contribuíram para a formação de pessoas em Goiás

Texto: Patrícia da Veiga

Fotos: Ana Fortunato e Sara Luna

Dona Aurora é personagem pouco conhecida que viveu em Itapuranga, no século XX. Dedicou a vida a alfabetizar crianças da zona rural e de vilarejos como Diolândia e Lages. Era muito pobre e dizem que, em sua casa, sequer havia mobília. Nas lembranças do professor da Universidade Federal de Goiás (UFG) Jadir Pessoa, “quando terminava o horário de aula, ela saia visitando os alunos em suas casas para ver que dificuldades tinham”. Assim ele a conheceu, conforme conta: “ela visitava muito minha mãe; meus irmãos mais velhos, meus primos e meus vizinhos foram alunos dela”.

Eli Brasiliense, por outro lado, é figura consagrada: o “tropeiro que falava francês”. Autor de livros como Pium – nos garimpos de Goiás (1949), Chão Vermelho (1956) e A Morte do Homem Eterno (1970), é considerado um dos principais romancistas goianos. Nasceu em Porto Nacional, passou a infância em Natividade, viveu também em Corumbá, Cidade de Goiás e Goiânia. Sua passagem pela escola foi além da presença física em sala de aula: está, a qualquer tempo, nas histórias que contou, nos escritos que deixou. “Era um homem muito culto, teve uma formação clássica, aprendeu a arte e a cultura francesas em pleno norte de Goiás, hoje Tocantins”, apresenta Jadir.

Esses e outros 102 nomes têm suas trajetórias registradas no “Dicionário de Educadores e Educadoras em Goiás: séculos XVIII ao XXI” (Goiânia: Editora da Imprensa Universitária, 2017). O livro foi lançado na sexta-feira (8/12), na Faculdade de Educação (FE), em uma cerimônia que reuniu parte dos 129 autores que contribuíram para a escrita de verbetes. “Esse dicionário nos ensina a prestar atenção na verdadeira História da Educação, que nem sempre tem de ser descrita pelos grandes pensadores”, opina Jadir, quem escreveu sobre Aurora e Eli.

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Dicionário reúne biografia de 104 educadores e educadoras que viveram no estado entre os séculos XVIII e XXI

A iniciativa do Dicionário partiu do Grupo de Estudos e Pesquisas em História da Educação (GEPHE), coordenado pela professora Diane Valdez, que também é organizadora da obra. Durante seis anos, a equipe buscou informações sobre personagens que protagonizaram processos educativos não somente no contexto formal, mas também no âmbito de movimentos artísticos, literários, sindicais, sociais, jornalísticos, entre outros. O resultado, segundo ela, é surpreendente. “São muitos os lugares de educar e quisemos valorizar isso”, indica Diane.

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Professora Diane Valdez (em destaque, ao microfone) organizou o Dicionário, que foi lançado no dia 8/12

Para os colegas que colaboraram com os verbetes, foram estabelecidos dois critérios gerais: que as pessoas biografadas já fossem falecidas e que as trajetórias fossem oriundas de lugares e tempos distintos. “Sou da Matemática, estou acostumada a fazer pesquisas, mas nenhuma foi como essa. Tive acesso a cartas íntimas, textos raros, mergulhei no universo de Marieta, tive muita certeza da sensibilidade que ela tinha. Foi muito especial”, comenta, emocionada, Gene Maria Vieira Lyra Silva, professora do Programa de Pós-Graduação Ensino na Educação Básica, que ficou responsável por apresentar ao leitor Marieta Telles Machado, bibliotecária, professora, entusiasta dos movimentos culturais goianienses.

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Colaboradores se reuniram na Faculdade de Educação durante cerimônia

Valorização

Feito a tantas mãos, o Dicionário resultou em uma obra eclética, com mais de 600 páginas, cujos verbetes contemplam desde os professores do tempo da Escola Régia até os universitários que construíram a história da UFG. A ideia que acompanha o trabalho é a da valorização dos que se empenharam por tornar a educação em Goiás o que ela é. “Resgatar a memória de nossos educadores é uma obrigação nossa. Se hoje estamos aqui é justamente por eles”, defende o professor Edward Madureira Brasil, quem assinou, com os professores Abadia dos Reis Nascimento e Jácomo Divino Borges, verbete sobre Peter Ernst Sonnenberg, pioneiro na Escola de Agronomia.

Peter trabalhou na UFG entre 1965 e 2003, marcando a área de Ciências Agrárias com seu modo de ensinar voltado ao cotidiano dos produtores. Elaborou apostilas de Horticultura Geral que foram referência em diversas universidades brasileiras e totalizaram mais de 7 mil volumes. Não fui aluna dele, mas o conhecia desde minha graduação. Estudei em Rio Verde e sabia que queria trabalhar com hortaliças. Quando o procurei, na pós-graduação, nos tornamos amigos e hoje tenho muito orgulho de ocupar a cadeira que um dia foi dele”, declara a professora Abadia, quem ministra atualmente a disciplina de Horticultura. “O acompanhei por 30 anos, éramos muito próximos. Ele tinha muita dedicação ao trabalho”, acrescenta o professor Jácomo Borges, envolto a recordações. "Alguns detalhes sobre sua vida eu sabia, mas outros apareceram para nós depois de sua morte. Acho que foi o próprio Peter quem me enviou", aventa Jácomo, desafiando a ciência.

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Professores Edward Madureira Brasil e Jácomo Divino Borges, da Escola de Agronomia, posam para foto com a organizadora do livro

educação é feita de experiências. Uene José Gomes, professor de filosofia e teologia na Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), escreveu sobre dois religiosos: Frei Eronides Firmino de Souza e padre José Pereira de Maria.“O primeiro era uma pessoa leiga que dedicou praticamente 40 anos de sua vida a uma biblioteca pública, construindo todo um conjunto de projetos para favorecer o estudo das pessoas. Já o segundo conta com uma significativa condição de reconhecimento público, tendo participado da história do surgimento do ensino superior em Goiás e colaborado com a criação da PUC e da UFG”, descreve.

Peculiar

A publicação é a primeira do gênero em Goiás. Mas, de acordo com o escritor Bariani Ortencio, quando o assunto é “dicionário”, existe uma particularidade a ser considerada: “Goiás é o estado do Brasil com mais dicionaristas”. Ele faz as contas de existirem coletâneas sobre a língua falada, o folclore, o mundo das artes, a literatura regional, entre outras. Aliás, o próprio já se dedicou a elaborar alguns desses exemplares: sobre a cultura do Brasil Central, a cozinha goiana, a medicina popular etc. “Na década de 1960, vi que o desenvolvimento da tecnologia poderia acabar com a sabedoria local. Então comecei a registrar tudo nos livros. Os dicionários são importantes para a memória”, avaliou. Bariani colaborou com o Dicionário organizado por Diane, escrevendo sobre a cantora Ely Camargo. "Ela teve passagem também pela educação, foi inspetora nas escolas. Seu pai era professor de música no Lyceu de Goiás. Como cantora, era muito talentosa. Interpretou músicas que eu compus, gravou com Inezita Barroso, sua temática era o regional", defende.

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Bariani Ortencio durante lançamento: "Goiás é o estado do Brasil com mais dicionaristas"

O Dicionário de Educadores e Educadoras em Goiás foi feito com tiragem limitada e, portanto, não está a venda. Para quem quiser consultá-lo, é possível recorrer às bibliotecas públicas goianas, entre elas, as da UFG.

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Trabalho foi feito por mais de 120 autores

Fonte: Ascom/UFG

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