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Metade das línguas do mundo está ameaçada

Em 30/10/17 15:47.

Lyle Campbell ministra palestra na UFG e chama atenção para a extinção de idiomas e culturas

Texto e foto: Patrícia da Veiga

À frente de um projeto que visa reconhecer e preservar a diversidade linguística planetária (The Endangered Language Catalog - ElCat), o pesquisador estadunidense e professor da Universidade de Hawaii Lyle Campbell revela que 46% dos idiomas do mundo estão ameaçados ou em vias de extinção. Como enfrentar o problema? Este foi o tema que trouxe Campbell à Universidade Federal de Goiás (UFG). Convidado pelo Núcleo de Tipologia Linguística, ele ministrou duas palestras na Faculdade de Letras (FL) nesta segunda-feira (30/10).

Campbell destacou que das 3.408 línguas registradas pelo ElCat, 457 têm, atualmente, menos de dez falantes vivos. E das 639 já extintas, 227 desapareceram nos últimos 50 anos. Ou seja, há em curso uma aceleração do processo de destruição de memórias, hábitos, vidas. “Quando a língua já não existe, se perde informações do mundo natural e cultural. O que vemos em quase todos os casos conhecidos é que a cultura, a literatura, a história, a medicina tradicional, a religiosidade e todos os saberes locais se perdem”, alertou o professor.

O risco de deixar os idiomas locais morrerem, como disse Campbell, é da ordem da sobrevivência. Ele citou como exemplo o povo Seri, que vive no litoral norte do México e cultiva uma planta chamada zostera marina, espécie arbustiva que cresce no fundo do mar. Segundo ele, cerca de 700 pessoas ainda falam seri. Caso essa população diminua e o idioma local corra riscos de desaparecer, todo o conhecimento acerca da planta, do seu cultivo e de suas propriedades também podem sumir. “Trata-se de um alimento que não requer água, fertilizantes, técnica ou agrotóxico para crescer. Em tempos de colapso ambiental, preservar a língua seri também representa mais oportunidades de sobreviver”, explicou o professor, durante sua palestra.

No Brasil, o pesquisador usou como exemplo o extermínio de indígenas que viviam em isolamento voluntário no Vale do Javari, extremo oeste do Amazonas. Muito embora o poder público tenha apresentado versões divergentes para o caso, que aconteceu em agosto de 2017, instituições nacionais e internacionais se manifestaram denunciando a chacina comandada por garimpeiros. De posse de uma notícia do jornal The New York Times, Campbell lamentou: “se dez pessoas foram mortas, como apontou a mídia, e elas viviam isoladas, isso significa que mais uma língua está morta”. Em todo o país, a estimativa é que existam entre 40 e 100 grupos étnicos ainda não contatados cujos sistemas de comunicação tampouco são conhecidos.

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Lyle Campbell, da Universidade de Hawaii, na UFG

ElCat

Idiomas deixam de existir porque pessoas morrem ou porque não há transmissão de saberes entre gerações. Deste modo, documentar, conhecer, preservar e revitalizar são soluções apontadas pelo ElCat. Resultado de uma parceria entre Universidade de Hawaii e Universidade do Leste de Michigan e contando com colaboradores de todo mundo, o catálogo visa contribuir para que o processo de redução da diversidade linguística seja contido. Para tanto, pesquisadores como Campbell se dedicam a conviver e aprender a língua dos povos.

Ao acompanhar uma missão intitulada La Paz realizada no deserto de Salta, o professor conheceu a família étnica dos mataco-mataguaya, que vivem na fronteira entre Argentina, Bolívia e Paraguai. E reconheceu uma cultura plurilinguística circulando entre 650 pessoas que falam até três idiomas diferentes entre si. “Esse é um fato muito raro”, definiu. Esse e outros exemplos disponíveis no ElCat podem ser acessados clicando aqui.

Fonte: Ascom/UFG

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